Certa vez, Luiz Fernando Veríssimo escreveu que o momento mais
contraditório para o coração brasileiro, amante do futebol, foi a Copa
de 1970.
Torcer para a Seleção era de alguma forma, ser
conivente com todo aquele movimento ufanista, do "Brasil, ame-o ou
deixe-o" e os noventa milhões em ação, assim como com as torturas que
aconteciam nos porões da ditadura.
Por outro lado, como não
torcer para uma selação que tinha Pelé, Rivelino, PC Cajú, Carlos
Alberto, Tostão, Clodoaldo, Jaizinho, Gérson entre outros?
Estamos mais uma vez vivendo um momento de contradição. Nunca foi tão
fácil e tão difícil torcer pela seleção e pela copa no Brasil.
Não porque nossa seleção é tão boa quanto a de 70 (muito pelo contrário
- nossos canarinhos são milionários que jogam em times europeus, alguns
há tanto tempo que ninguém nem lembra de já ter gritado o nome deles
nos times daqui, uma seleção sem carisma, cheia de volantes, com uma
estrela - cadente de tanto que é cai cai - com um treinador retranqueiro
e ultrapassado), mas porque a Copa é nossa.
Se por um lado é
muito legal ver a cidade toda enfeitada com as cores da Copa (mesmo a
das confederações), com muitos estrangeiros, novos estádios, mascotes
nos produtos, shows espalhados pela cidade, um clima bastante
empolgante; por outro, ver uma Lei Geral da Copa ferir nossa autonomia
em nome de uma entidade com um histórico quilométrico de fraudes e
corrupção como a FIFA, gastos exorbitantes para reformar estádios (sendo
que muitos são verdadeiros elefantes brancos), recursos públicos para
garantir o lucro de empresas privadas é muito triste.
É triste
saber que nossos doces, quitutes, produtos artesanais não poderão ser
vendidos porque não são produtos oficiais licenciados pela FIFA. Aquilo
que consideramos mais sagrado e tradicional do nosso futebol ser varrido
de lado devido às regras de comportamento, e principalmente nosso povo
ser expulso dos estádios por conta dos valores absurdos para nossa
realidade terceiromundista.
Nos prometeram que as copas (e as
olimpíadas) trariam reformas na infraestrutura que seriam herdadas pela
nossa população. Quase todas as obras estão atrasadas e já se veicula
que não ficarão prontas para os eventos - quem sabe se um dia ficarão
prontas?
Mas a copa do mundo é nossa. Quem sabe quando ela
voltará a ser aqui. É nossa chance de nos livrarmos da pecha histórica
infamante do 'maracanazo', de voltarmos a gostar de Futebol, de amar
nossa seleção, torcer por ela. Nós, nossa torcida, nosso povo,
inventarmos novas canções (porque a chata "Sou brasileiro com muito
orgulho e com muito amor" já deu o que tinha que dar) e reinventarmos
nosso jeito de torcer.
Que essa Copa nos traga muitas felicidades.
Nosso povo precisa, nosso povo merece.
Mas mais do que isso, que essa Copa nos faça refletir sobre quem somos,
quais as nossas prioridades, e principalmente, qual país queremos ser.
Muita força para o povo brasileiro em sua luta histórica pela emancipação!
Muito sucesso para nossa esquete canarinha!
Como Gonzaguinha nos ensinou, viva o povo brasileiro, trabalhador, que
não foge da luta, não corre da raia e que constrói a manhã desejada! E
nós estamos pelaí!
Daniel Braga
Historiador, professor, brasileiro.