domingo, 27 de fevereiro de 2011

Folha vazia e cheia

De prosa e verso se faz a história
como em um sonho louco de um louco Deus

Que não sabe o que faz, só sabe que escreve,
e luta.

Luta contra palavras que insistem em fazer
sentido quando o que menos há é sentido.

Quando o surreal passa a fazer parte do
real e o irreal é a própria vida.

E o poeta se encontra sozinho, como
um rei sem súdito, teatro sem platéia.

Perdido em dores, lagrimar, sofrimentos
e palavras.

Labirinto Grego

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Porque desisti de escrever poesias sobre amor

Queria escrever um poema
com métrica e rimas.
Rimas internas e externas
ABBA, AABB.
Redondilhas menores e
redondilhas maiores.

Com estrofes, versos,
estribilho e contraversos.
Talvez um poema épico
ou mesmo uma canção.
Quem sabe um soneto
com seus quartetos e tercetos.

Queria compor uma poesia
de amor, dessas que
a gente lê em placas
de caminhão. Essas bonitas
que fazem os olhos
lacrimejarem e o sorriso brilhar.

Desisti porque enquanto
fazia a escansão, não
vi a paixão ir embora.
Um grande amor, súbito
e arrebatador não
cabe em um verso alexandrino.

Lágrima de um tupi (à Nísia)

No patropi plutocrata
à moda tupiniquim
entre a miséria e a desgraça
a alegria tem seu fim.

Onde tudo é permitido
seja o crime ou carnaval,
opressor e oprimido
na Paulista ou na Central.

A mãe pátria é violada
desde as naves de Cabral.
E as índias nuas choram
sem consolo paternal.

Semeia lágrima tal
a brava tribo do norte,
grito calado afinal
sem canto, somente morte.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Retorno

Minha terra já teve palmeiras
onde cantavam sabiás.
Hoje existem no máximo umas pombinhas
que vivem nas praças a ciscar. Tal qual
hienas famintas se digladiando pelo milho
jogado por velhos que não têm nada melhor
para fazer. E ainda por cima, quando voam,
ficam cagando
na cabeça daqueles que sonham em
voltar para a terra do exílio.

Poesia-Consumo (ou Dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial, cebola e pickles em um pão com gergelim)

Tenha vontade, compre, não importa
se não precisa.

Compre, compre.

É belo, é novo, é moda.
Use e abuse, mas, depois jogue fora.
Carro do ano, utilitários,
a maior novidade de todos
os tempos da última semana.

Compre, compre.

Embalagem descartável,
produto descartável,
amizade descartável,
Vida descartável.

Poesia descartável para ser consumida na
fila do cinema (ante-sala da pizza).
Culinária descartável, enlatado
americano para ser consumido à espera
do sexo mercantilizado. Sexo descartável
consumido à espera do amor. Amor mercantil.
Amor para ser consumido à espera da vida.

Vida comprada e vendida em drive thrus.

Basta! Olhai os lírios do campo.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

46664 (ou O soneto da liberdade)

Ainda que se prenda o
rouxinol num frio cárcere
sozinho, sem a beleza
do vôo, existe esperança.

Nem sol, mandala dos livres
que galga os céus triunfante
da cela é possível ver.
(O pássaro sente inveja).

Tu quiseste a liberdade
dos seus, ensinando-os a
planar. Viraste cativo.

Invicto, conseguiu vencer,
pois, podem prender seu corpo,
mas não calarão seu canto.

Tropeços

Poesia Pau-Brasil

O que o Oswald queria
Era que a nossa poesia
Fosse tipo exportação
Feito o café, feito o grão.

Mas acontece que hoje em dia
Como todas as coisas da vida
Tem como base o cifrão,

Até a nossa poesia
Sofreu desvalorização.

Por que sonhas, Minas

Para iniciar as públicações no blog (e de alguma forma, prestar honras), segue um texto brilhante de Roberto "Hilda Furacão" Drummond, que hoje, toma café com os deuses.

Por que sonhas, Minas?
Roberto Drummond

Minas Gerais: há sempre uma procissão passando, um sino tocando nas igrejas e nos corações, e uma conspiração em curso.

Ah, Minas Gerais: de onde vem essa rua permanente, clandestina, diária, camuflada, subversiva inconfidência?

Vem dos cristãos novos, que se asilaram em tuas cidades e aportuguesaram os nomes suspeitos?

Vem dos negros que fizeram de ti a África-mãe?

E essa tua mania, Minas Gerais, de ser altaneira, de não ficar de joelhos a não ser diante de Deus e dos teus santos de fé, e, ao mesmo tempo, ficar olhando para o chão, para os lados, de nunca encarar o teu interlocutor ou inquisidor, de onde vem teu jeito simulado, Minas Gerais?

Por que sempre parece que tens medo, Minas Gerais?

Por que tua coragem, de dar um boi para não entrar numa briga e uma boiada para não sair, vem sempre travestida, disfarçada?

Por que, Minas Gerais?

Amo em ti, Minas Gerais, não apenas essa rebelião que carregas no peito como um vulcão clandestino, amo em ti o culto dos sonhos impossíveis.

A liberdade era a amante mais desejada, mais sonhada de Tiradentes, era seu sonho impossível - e, por ele, Tiradentes morreu.

Teu filho Santos Dumont deu asas ao impossível sonho humano de voar.

E antes de Santos Dumont, o que foi o Aleijadinho, senão um mágico que transformava em realidade impossível sonhos em pedra-sabão?

Minas Gerais: Juscelino plantou uma flor de concreto, a que deu nome de Brasília, no cerrado. Era também a realização do impossível. E teu filho e rei, Pelé, nascido em Três Corações, escolhia os mais tortuosos e difíceis caminhos para o gol, e sempre perseguiu o gol impossível, o único que não conseguiu realizar: o de surpreender o goleiro com um chute de longa distância.

Minas Gerais: amo em ti a contradição.

És barroca em Ouro Preto, tiradentes, Diamantina, Congonhas e Mariana, e moderna na Pampulha.

Aqui, tu acendes o fogo, incendeias os corações: ali tu és, minas Gerais, a água na fervura, a água apagando o fogo.

Tu és sertão e cidade, és o passado e o presente, és o Rio Doce e rios amargos, trágicos, és um casarão com 38 janelas e és uma casa moderna e ensolarada.

Por que sonhas, Minas Gerais?

E por que, Minas Gerais, quando sorris, quando estás alegre, sempre acabas punindo tua própria alegria, como se ela, como tus sonhos de liberdade, te fosse proibida?

Por que sempre estás pensando que comete um grave pecado, Minas Gerais?

Por que teus filhos rezam mesmo quando são ateus?

Por que, Minas Gerais, por quê?